terça-feira, 3 de julho de 2012

Sou mais Twitter do que Face

Com a polarização das redes sociais, é preciso optar entre um e outro... ou não.


A batalha final entre as redes sociais se aproxima feito epílogo de uma franquia de cinema. As redes mais fracas foram eliminados em escaramuças ocorridas nos últimos dois anos. Orkut, MySpace e outras perderam seus membros e, por conseguinte, a guerra. Na Internet, briga-se não por territórios, mas por exércitos, porque eles constituem a maior riqueza. Exércitos que lutam entre si por mais e mais tropas: talvez os conflitos do passado não tenham sido nada além que isto, a sanha de dominar pessoas. Só que agora tudo acontece no campo aparentemente etéreo da guerra mundial virtual. Nesta altura da saga das redes, os vencedores são o Facebook (ou Face, como dizem os brasileiros em bom português) e o Twitter. O serviço de rede social de Mark Zuckerberg disputa com o microblog de Jack Dorsey a hegemonia de nossas mentes e almas. Tornou-se quase uma guerra de trincheiras. De que lado você está?

A pergunta pode parecer ociosa se consideramos que muitos usuários de uma rede fazem parte da outra. No entanto, observo que uma parcela significativa da turma que usa tanto Twitter como Facebook prefere um serviço ao outro. Existe uma divisão mental e de tipo de usuário. Na verdade, são duas tribos bem distintas, que possuem características e visões de mundo que vou tentar descrever e analisar mais adiante. Antes, vou abordar a história e o estatuto dos dois serviços e identificar seus detratores.

Já disseram que nunca se sabe aonde vai dar uma invenção, porque ela depende do uso que as pessoas fazem dela. Ninguém imaginaria, oito anos atrás, que um site criado para juntar estudantes da universidade Harvard, como o Facebook, chegaria aos atuais 900 milhões de usuários e revelaria às pessoas a dimensão e a qualidade de seus relacionamentos. Ou que um microblog de San Francisco que não se levava a sério em 2006, a começar pelo nome – na definição do cofundador Jack Dorsey, Twitter significa a um só tempo gorjeio de pássaro e “uma manifestação breve de informação inconsequente” – atingiria 500 milhões de membros, entre eles muitos cidadãos inteligentes capazes de expressar visões de mundo e sistemas filosóficos inteiros nos limites dos 140 caracteres impostos por seus donos. Cada um a sua maneira, Facebook e Twitter colaboraram para alterar a história e a forma como lidamos com outras pessoas e com a própria realidade. Por meio deles, surgiram movimentos sociais, rebeliões e focos de resistência democrática, bem como atentados terroristas.

Mas há quem reduza a função política dos dois. O escritor americano Jonathan Franzen me disse em entrevista que duvida que o Twitter foi um fator determinante nos protestos do Irã e do Egito. “O papel das redes sociais em atuar efetivamente no mundo concreto está sendo superestimado”, disse Franzen. “A solução dos problemas das pessoas não está no mundo digital, mas no mundo concreto.” Franzen me disse que jamais irá entrar no Facebook e no Twitter.

Entendo o virgem de internet. É aquele sujeito que acredita que pode manter a reputação simplesmente por se recusar a participar do lindo mundo novo das redes sociais. Eu próprio escrevi tempos atrás uma refutação ao Facebook, e anunciei que ia sair do serviço de Zuck, mas acabei desistindo por pressão social. Família e amigos me forçaram a me emaranhar de novo na teia e, pior que isso, a interagir virtualmente com eles. E acabei imitando o virgem de 40 anos daquela comédia com o Steve Carell: quando, virgem de 50 anos, caí em tentação, e me lambuzei como nunca. Fui incapaz de manter meu voto de castidade digital, e admiro quem consiga. Quando intelectuais como Jonathan Franzen - e Eugenio Bucci, em artigo recente para ÉPOCA - juram que são felizes na condição de dinossauros tecnológicos, sinto-me um rematado pecador. Mas acho que eles mantêm o celibato digital mais como estratégia de militância filosófica do que por uma fé inabalável em que o ser humano possa se purificar longe dos tentáculos da aranha digital. De minha parte, não tenho vocação sacerdotal. Sou curioso demais para manter a reputação ilibada. Como disse o polemista austríaco Karl Kraus: “Conhecer o Diabo sem assar no inferno é algo que conviria a muita gente”. Prefiro queimar no inferno a posar de falso moralista.

E já que me encontro no inferno, vou tentar resistir por estes círculos mesmo, sem perder a argúcia. Uso os dois serviços, mas prefiro o Twitter, por inclinação. Vou raramente ao Facebook, até porque não gosto de fuçar detalhes das vidas alheias e muito menos ainda que investiguem a minha. Eu acho que aí reside a diferença essencial entre quem usa mais o Twitter do que o Facebook: o Twitter é fundamentalmente aberto e público, ao passo que o Facebook oferece ao participante um ambiente supostamente privado. Supostamente porque sabemos que Zuck libera os dados dos usuários a empresas que queiram pagar para utilizá-los para vender seus produtos e serviços. Segundo o militante digital Eli Pariser, o Facebook filtra a informação e usa um algoritmo que esconde a maior parte dos seus amigos, destacando aqueles com quem você mais interage. Com isso, o Facebook tribaliza os usuários, tornando sua comunidade um grupo ordenado de pessoas que pensam, se comunicam e têm gostos idênticos entre si. Mesmo assim, ainda acredito que é possível manter a mesmo tempo a privacidade e o perfil no Facebook – bastando para isso ser seletivo e alterar as configurações de privacidade do site. Segundo Pariser, o Twitter é um veículo mais livre e transparente, porque sua regulamentação é tênue e seu algoritmo, totalmente inclusivo.

De alguma forma, o Twitter se parece com os meios tradicionais de comunicação, pois permite que se propaguem informações sem restrições de comunidade. Daí, talvez, os profissionais de comunicação gostarem mais dele do que do Facebook. O usuário pode seguir uma celebridade – e ser seguido por ela – sem filtros. Você pode dar um furo de notícia e se tornar importante da noite para o dia. E também tem a opção de configurar o Twitter para que ele sirva como uma rede superexclusiva, ou então se valer de um pseudônimo para se expressar livremente, sem as amarras de sua condição social e profissional. Eu, por exemplo, tenho duas contas de Twitter, uma aberta e pública, e outra fechada, só para a família. Como interagir com parentes não se parece nem de longe com diversão, minha conta superprivada é quase inoperante. Por curiosidade, a conta fechada é, entre as duas, a que mais recebe solicitações de ingresso. O Twitter se afigura (e se configura) mais ágil que o Facebook e, ainda que não traga aplicativos e páginas atraentes como os do Facebook, permite comunicação com interlocutores específicos e divulgação de fotos instantâneas.

Por tudo isso, o Twitter aparentemente combina mais com pessoas mais despreocupadas e capazes de agir em público com desenvoltura. Quem usa o Twitter corre risco. Parece andar em uma praça, sujeita às intempéries, ao acaso e ao contato das multidões. Faz e recebe críticas, ataca e é atacado. Quando alguém namora pelo Twitter, o faz à vista da massa incógnita – mas não está nem aí para isso. A presumível livre expressão do pensamento faz parte do mecanismo do gorjeio quase infinito, que se dissemina através da retuitagem. Ele fornece a ilusão de que o usuário é popular, pelo número de pessoas que o seguem. Mas até que ponto quem segue leva o que ele diz de fato? Até que ponto os donos do serviço não escondem algo do usuário? É um meio de comunicação imprevisível, caótico e violento. Por isso, sujeito à suspeição.

O usuário de Facebook parece ser mais passivo e inclinado ao convencionalismo. Ele tem um só nome, um só endereços e um só rosto. Seu prestígio não se mede pelo número de seguidores como o Twitter. Ele precisa se sentir protegido e não ser contestado. Ali só existe o verbo “curtir”. Não existe o “discordar”. Isso apazigua os ânimos e torna todos falsamente concordes. O Facebook apresenta um processo de afinidades menos eletivas que forçadas. Lembra um ambiente amplo, porém fechado e controlado. Quem está sob seu teto é obrigado a fazer amigos e se relacionar intensamente com os outros, só que mantendo a discórdia fora da conversa. Bloquear pessoas é o mesmo que ofendê-las para sempre. Até os jogos são consensuais, como montar uma fazenda e atirar em pássaros feitos de bits. O usuário do Facebook adora que Zuck e os outros organizem sua linha do tempo, poste fotos e hierarquize sua rede de relacionamentos.

Para resumir, o Facebook é entediante e fechado tal qual colegas em uma escola, ao passo que o Twitter se apresenta difuso e divertido como um espetáculo a céu aberto. Mesmo assim, há em ambas as redes sociais sempre alguém monitorando o que você diz, faz e pensa, em graus diferentes de vigilância. Isso para mim soa como uma terrível restrição à liberdade. Neste momento, estamos sendo conduzidos a optar por um e outro, e escolher entre a cruz e a caldeirinha. Obviamente, você ainda pode fazer parte dos dois ambientes ao mesmo tempo. Mas, na hora em que um conquistar o outro, para onde irá? Sim, é possível sobreviver sem um deles – e, melhor ainda, viver sem nenhum dos dois. Porque daqui a pouco deverá surgir uma invenção muito mais ardilosa que os tornará obsoletos. A outra alternativa, não de todo desprezível, é voltar a ser virgem de internet. Fica a pergunta: existe virgindidade reversível?

Luís Antônio Giron escreve às quintas-feiras para a Revista Época.

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