terça-feira, 6 de novembro de 2012

#HashtagÉArte: Feita para organizar o diálogo online no Twitter, a hashtag floresceu

Ela surgiu para organizar o diálogo online no Twitter, mas floresceu e se tornou um dispositivo literário maravilhoso – e ainda pouco apreciado



Do Link Estadão

O sinal de jogo da velha é um símbolo tipográfico com ambições. Por décadas, era um apêndice nos teclados de telefone, feito para ser apertado durante frustrantes horas à espera de algum serviço de atendimento ao consumidor. Mas, recentemente, tem conquistado novos territórios e pode ser vista na TV (#debate, por exemplo, durante as eleições deste ano), nos cinemas (#segureseufolego próximo a algum título de filme de terror) e até escrita pichada no estádio de seu time favorito (#GOHOGS no Razorback Stadium).

Isso aconteceu, claro, graças ao Twitter. Há cinco anos, os usuários do Twitter inventaram o que hoje é conhecido como hashtag: uma frase de efeito precedida por esse símbolo de oito braços, usada tanto para rotular ou comentar o tweet anterior (se esta frase fosse um tweet, #issoseriaahashtag). No início, hashtags eram principalmente utilitárias – uma forma de categorizar tweets por um tópico de forma que os integrantes da twittersfera pudessem seguir conversas que os interessassem através da busca por uma lista de tweets igualmente tagueados. Proposta pelo usuário Chris Messina, foi criada para reunir conversas a respeito da conferência de tecnologia BarCamp – a primeira hashtag foi, portanto, #barcamp. Outras marcações no início serviam principalmente como metadados, direcionando pessoas para tweets sobre notícias, eventos ou interesses específicos: #incendioemsandiego, #educação e por aí vai.

Com o tempo, ela evoluiu e se transformou em outra coisa – um formato que permite humor, tristeza, trocadilho e, sim, até mesmo poesia. Durante este mesmo período, o Twitter, enquanto empresa, reconheceu o poder da hashtag e agora ela faz parte do design, do linguajar e da forma de vender anúncios no site. Uma hashtag específica, por exemplo, permite o mundo saber quem está conversando sobre o lançamento do jogo #Halo4.

Assim, chegamos a um momento estranho para a hashtag. O pessoal do Twitter não cansa de dizer que a hashtag é a nova URL – e isso é tão verdade de forma que é mais provável que você veja a hashtag e não o endereço do site na tela logo que vê um trailer no cinema.

Ainda assim, a ascensão das possibilidades comerciais da hashtag não deve nos enganar sobre o que é realmente incrível sobre este formato. Esta marcação de curiosa utilidade digital, inventada apenas com a funcionalidade em mente, floresceu e tornou-se um dispositivo literário maravilhoso e ainda pouco apreciado.

#QueroSaberPorQue. Para aqueles que se incomodam com os exemplos mais irritantes em circulação – #estranho, #winning e #fail me vêm à mente – tais pretensões literárias podem parecer exageradas. É bem pouco provável que você encontre algum jogo de palavras nos trending topics do Twitter, onde as hashtags tendem a ser guiadas por eventos: #Halloween ou #WalkingDead. Ocasionalmente vemos o que é conhecido como “hashtag improvisada”: trending topics como #QueroSaberPorQue ou #VaiTomarUmTapa são bordões em busca de cenários construídos coletivamente. Estas hashtags geram toneladas de respostas e transformam o Twitter em um enorme jogo de festa do pijama, em que metade dos convidados se leva a sério (“#QueroSaberPorQue meu namorado não me ama”) e a outra metade faz piadas de fundo de sala de aula (“#QueroSaberPorQue as meninas querem namorados… Acredite, eles são um saco”).

Mas a hashtag, usada habilidosamente, é uma ferramenta versátil – que pode ser aplicada de formas linguisticamente complexas. Além de funcionar como metadado (#OTemaDesteTweet), ela dá oportunidade ao autor de comentar seu humor, minar sarcasticamente o conteúdo do próprio tweet, construir uma camada a mais de ironia, oferecer um lampejo imaginário ou entregar metáforas com economia impressionante. É um artifício que permite aos melhores escritores operar em múltiplos registros ao mesmo tempo, em um espaço limitado. É a versão digital do canto com a garganta dos habitantes de Tuva, na Rússia Oriental.

O resultado são justaposições que podem ser esparsas, brincalhonas, precisas ou elegantes. Considere o tweet de Conan O’Brien: “Você já percebeu que você nunca viu eu e Ryan Gosling no mesmo lugar ao mesmo tempo? #GarotasIngenuasLeiamPorFavor”. Ou o crítico de teatro Jesse Oxfeld: “Você sabe, em frente a uma feira, no telefone com minha mãe, respondendo à pergunta dela sobre como se soletra Holocausto #NuncaSoletreErrado”. Ou a escritora Susan Orlean: “Minha filha de 7 anos começou a me chamar de ‘Senhora’, como ‘O que há para jantar, senhora? #OQueEuFizDeErrado.”

Tais construções tendem ao particular – uma brincadeira cínica no próprio tweet. Mas a hashtag também pode ser uma piada sobre ela mesma, como quando a atriz prodígio da HBO Lena Dunham twitta “qual é o meu lugar nisso tudo? #QuestõesQueNemMinhaMãePodeResponder”. Parte da piada é que sua hashtag é tão elaborada, tão intrincada, que ninguém imaginaria reutilizá-la. É uma metapiada sobre um metadado – o equivalente a armar um arquivo inteiro para guardar um único post-it.

O ethos da hashtag foi adotado para além do Twitter. O notório twitteiro Kanye West popularizou a expressão “hashtag rap” há alguns anos para descrever um esquema de rimas no hip hop que existe desde muito antes do Twitter, mas que ecoa a função da hashtag. Se a metáfora serve para dispensar o uso das palavras “como”, “tal” e “tipo” – “Seu rosto é um dia de verão” em vez de “Seu rosto é como um dia de versão” –, a hashtag dispensa ainda mais palavras: “Seu rosto #diadeverao.”

Há algum debate entre artistas e críticos musicais se este tipo de rima de hip hop é uma espécie de trapaça. Mas estas críticas não fazem sentido. Uma rima pode ser fraca ou sem inspiração, não importa a relação semântica com verso que conclui. Na verdade, é a forma como a hashtag afrouxa as velhas estruturas linguísticas que a torna tão sedutora para os artesãos da palavra. Uma amiga minha, poetisa, notou que, devido às possibilidades oferecidas pela hashtag, escrever tweets “parece muito, em termos de composição, com a poesia. Você suspende algumas coisas em relação a outras de uma forma extremamente complexa.”

#Odisseia. A hashtag parece, para ela, uma prima distante do refrão: uma frase que se relaciona de formas diferentes e complexas – diretas ou tangentes, irônicas ou sem sentido – com o verso que a precede. Ela também tem algo em comum com o parêntese, que explica ou categoriza qualquer frase que interrompe. E quando captura um aspecto do humor do autor, ela lembra o epíteto, as “braciníveas Nauticaa” e “mares vinho escuro” da Odisseia de Homero. Mas a hashtag pode ser ela mesma um instrumento retórico. No extenso glossário que vai de “ad hominem” a “zeugma”, não há nenhum termo que capture exatamente tudo que a hashtag é capaz de fazer.

Considere o poder que a mídia de massa ainda retém sobre o twitterverso. Quando um terremoto atingiu o estado da Virgínia, nos EUA, em 2011, o Twitter viu um enorme salto de tweets que mencionavam “terremoto”. Quinze mil nos dois primeiros minutos. Mas a Mãe Natureza não é a NBA. Durante o concurso de enterradas deste ano, os organizadores pediram para os espectadores para votar nos melhores lances usando a hashtag #spriteslam. O termo foi twittado 50 mil vezes dois minutos depois.

Isso, podemos dizer, é o lado ruim da hashtag. Programas de TV agora criam hashtags a partir de eventos que causam repercussão: quando o personagem Schmidt da série New Girl achou que havia engravidado sua namorada, a emissora Fox martelou a hashtag #schmidtbaby na tela. Foi para os Trending Topics rapidamente. Até o presidente Obama – ou quem quer que twitte por ele – entrou no jogo, cutucando #Romnesia para o topo das paradas quando seu perfil no site encorajava seus eleitores a twittar piadas sobre o “esquecimento” de seu adversário Mitt Romney.

À medida que publicitários e gente da mídia vão ficando espertos sobre como usar as hashtags, seus esforços podem estrangular as hashtags mais orgânicas e espontâneas. Certamente funcionam como um incentivo às avessas para as melhores mentes no Twitter seguirem experimentando com as hashtags como formato. Pode ser que, em breve, grudar uma hashtag num post possa fazer com que ela pareça apenas um anúncio (Houve inclusive especulações sobre um possível programa de TV chamado #Resistance – com o ícone do jogo da velha e tudo – que parecia uma fraca tentativa de pular na última mania nas mídias sociais). Mas o potencial para este tipo de abuso, no fim, é só mais uma razão para abraçar e defender as possibilidades literárias da hashtag.

Acadêmicos não dão muita atenção à linguística do formato. Estudos tendem a concentrar-se na teoria de rede, na difusão da informação e na adoção das tendências. Assim, é provável que uma hashtag que não é replicada por mais de uma pessoa e, portanto não se espalha, será considerada um fracasso pelos cientistas da computação.

#Pérolas. Da mesma forma, estudiosos debruçam-se sobre identificação de sentimentos – se você pode ensinar uma máquina a identificar sarcasmo ou outras emoções em tweets. A academia já produziu diversos estudos sobre a forma como o Twitter é usado em conferências acadêmicas. Mas estes mesmos estudiosos não pararam para observar as hashtags como um fenômeno literário. Desta forma, os melhores exemplos do hashtaguismo criativo – os exemplos mais singulares de brilho linguístico – são frequentemente pérolas que passam despercebidas.

Por isso precisamos lutar para nutrir esta forma de arte incipiente. Pois há algumas evidências que hashtags feitas por usuários possam ajudar a formular um diálogo de baixo para cima. Depois do segundo debate pela presidência dos EUA, muitos apresentadores de telejornais comentaram a popularidade instantânea de #PrateleirasCheiasDeMulheres, devido a uma fala do candidato Mitt Romney sobre a diferença salarial entre homens e mulheres, que Anderson Cooper chamou de “uma hashtag em ascensão no Twitter” no ar.

A boa notícia, segundo o Twitter, é que nosso uso de hashtags não está diminuindo. Suas aparições são cada vez mais populares desde 2009 – o símbolo do jogo da velha exercitando seus músculos – e um em cada oito tweets tem uma hashtag. Mais interessante ainda, a média do número de tweets por hashtags tem se mantido constante, mesmo com empresas ajudando sua ascensão. E da mesma forma que as hashtags mais populares chegam às dezenas de milhares de tweets, ainda há muitas hashtags presas a apenas um tweet. São estas as hashtags que temos que celebrar. Os poetas e os brincalhões do Twitter ainda estão por aí. A forma de arte persiste. Temos que ir adiante, explorá-la e aperfeiçoá-la.
#QueMilHashtagsFloresçam.
(Fonte aqui: Tradução de Alexandre Matias - Original: Julia Turner, editora-assistente da ‘Slate’)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários deste blog são moderados.